Wednesday, December 30, 2009

Resposta a Camões




para o Luís Quintais


Foi a noite junto à igreja de Diu
ou a tarde que entrámos nas grutas de Elefanta?
Há na tarde para sempre perdido um navio
e há na noite um demónio sinistro que canta.

Os deuses que avistámos na loucura mansa
vingaram-se de nós com seu simples durar
e o Cristo que trouxémos na guerra e na bonança
fez-se deus nesta terra e perdeu-se do mar.

Foi a noite que trouxe este manso esquecer
em que a História se deu no passo de uma dança
e nos chamam de longe os que vieram morrer
além da sua terra e aquém da lembrança?

Foi a noite a entrar na igreja de Diu
ou a sombra de Deus na ilha de Elefanta?
Shiva hermafrodita desta cave sorriu
e o mundo se fez contra toda a esperança!





Contra Wittgenstein

Mas eu gostaria sempre de dizer outra coisa:
o que percebo passa-me ao lado,
então balbucio, rascunho, apago
- e por isso a poesia.

Do que se não pode falar
sempre se pode
amassar um poema.

O caminho das Índias

Houve terras que de tão sonhadas
não puderam ser ditas senão em prosa lenta,
isto é, em poesia.

É preciso ir além do deslumbramento,
como se foi além da dor
(e é mais difícil,
porque o deslumbramento dura menos
e distancia).

Nessas terras o comércio das palavras
fez-se entre olhares desdenhosos e juras
de sangue.

Foi tão estranho seguir
esta rota para a poesia...

A Golconda

Perdida a rota da Golconda,
os teus olhos brilham no escuro,
com a ironia dos homens do mar
abandonados em terra.

E junto de mim perguntam
o que traz este marinheiro
das terras perdidas?

Tuesday, December 29, 2009

Ao grande mentor deste blog

Tintin et Milou, conhecidos quando eu era criança como Tim Tim e Ron Ron...


À inspiradora deste blog: Alcipe


D.Leonor de Almeida Portugal, Marquesa de Alorna, nome literário Alcipe (1750 - 1839)

Um encontro em Lisboa, no Palácio do Marquês de Fronteira, graças à generosa hospitalidade do seu titular e neto de Alcipe, o meu querido amigo Fernando Mascarenhas.


Saturday, December 26, 2009

Bom Ano Novo e Boas Festas de Passagem!


Sobre antologias de poesia

Obviamente, as boas são as que me incluem, as más a que me excluem - e qualquer poeta que pretenda que não pensa assim, m-e-n-t-e!

Friday, December 25, 2009

Dizem que o mundo está perigoso... preparemo-nos!

Natal

Natal de quê? De quem?

Daqueles que o não têm?

Dos que não são cristãos?

Ou de quem traz às costas

As cinzas de milhões?

Natal de paz agora

Nesta terra de sangue?

Natal de liberdade

Num mundo de oprimidos?

Natal de uma justiça

Roubada sempre a todos?

Natal de ser-se igual

Em ser-se concebido,

Em de um ventre nascer-se,

Em por de amor sofrer-se,

Em de morte morrer-se,

E de ser-se esquecido?

Natal de caridade,

Quando a fome ainda mata?

Natal de qual esperança

Num mundo todo bombas?

Natal de honesta fé,

Com gente que é traição,

Vil ódio, mesquinhez,

E até Natal de amor?

Natal de quê? De quem?

Daqueles que o não têm?

Ou dos que olhando ao longe

Sonham de humana vida

Um mundo que não há?

Ou dos que se torturam

E torturados são

Na crença de que os homens

Devem estender-se a mão?

Jorge de Sena, Exorcismos

Natal

Ladainha dos póstumos Natais-David Mourão-Ferreira

LADAINHA DOS PÓSTUMOS NATAIS


Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito


David Mourão-Ferreira
in Obra Poética II

Thursday, December 24, 2009

Fado da minha esquina

A minha casa é nesta esquina
e a esta esquina voltarei
ao entender que o mundo já
é tudo o que não saberei.

Agora contorno a esquina,
Picoas à Taprobana,
e lembra-me de outra sina,
mas deixei-a por que bandas?


Wednesday, December 23, 2009

Quadras a uma passagem por Lisboa

Esta luz que nos envolve,
esta cidade que embala
o que mais em nós se move,
o terno travo da fala

de repente faz-nos mudos,
esquecidos de quanto rói
por dentro mesmo do fruto
a nossa força e nos mói:

até pararmos algures
junto do rio ou do mar;
porque ainda que não dures,
a tua força é ficar!

Monday, December 21, 2009

Bartleby, o que foi poeta

Quando não escrevo
deixo brilhar o silêncio
à volta de mim.

Mas a realidade traz esta luz
que apaga todos os pontos luminosos
que nasceram à volta do que não escrevi.

Resigno-me por isso a não estar simplesmente aqui:
preferia  que não ...
 

Thursday, December 17, 2009

"Hei! Isto aqui não é o Calçadão de Copacabana!..."

                                   Bombaim, Marine Drive

Sunday, December 13, 2009

Ilha de Elefanta, Bombaim

Os deuses sempre ali estiveram:
talvez os Portugueses tenham desfigurado as estátuas,
por julgarem ofender a Fé de Cristo.
Mas não deixou nunca de nos enfrentar o sorriso de Shiva,
que sabe alguma coisa que nós
nunca chegámos a saber.
Foram muitos séculos
e não pudémos por isso fazer a estes deuses
o que fizémos aos deuses do Olimpo...
O falso deus adora o verdadeiro,
escrevia Camões.
Mas que fazer quando todos os deuses
são ao mesmo tempo falsos e verdadeiros,
avatares e demónios,
criadores, preservadores e destruidores?
Quando os deuses dançam
sobre todas as transformações?

Saturday, December 12, 2009

Bombaim

Saio sempre daqui com o sentimento de que me escapou totalmente a vida desta cidade : o que, por pouco que conheça e viva de outras cidades, não senti nunca nem em Deli nem em Calcutá. 

Estive aqui em bons e em maus momentos : em encontros de negócios, em visitas oficiais, em festas sociais e sobretudo durante os ataques terroristas do ano passado.  Sinto a vida intensa, exuberante, cosmopolita, desta megacidade. Sinto toda a força que emerge aqui. Mas não sei falar desta cidade. E do que não sabemos falar, é porque ainda não aprendemos a amar...

Haverá outro dia.  Como a São Paulo do Caetano Veloso, esta cidade é para mim talvez "o avesso do avesso do avesso" da Índia.  E, como aconteceu na canção do Caetano, talvez um dia eu descubra esta cidade!



 

Por exemplo, isto, encontrado em Diu...

Mais indo - portugueses : os gujarates

Foram do Gujarate para Moçambique, muitas vezes há três gerações ou mais.  No meio do processo de descolonização, muitos acabaram por escolher Portugal como destino.  Não retornaram, porque a sua origem nunca foi Portugal : mas traziam consigo arreigada a língua portuguesa e bem vivos muitos dos nossos jeitos e costumes, misturados com a língua gujarate e com a  religião hindu...

Vivem em Portugal há 30 anos, mas mantêm família aqui na Índia e também ainda muitas vezes em Moçambique.  Conhecemo-los bem em Lisboa (alguns, menos, no Porto).  São comerciantes, industriais, banqueiros, gente com poder económico.  Todos mantêm bem activamente negócios com a Índia.

Ontem, num esplendoroso casamento em Bombaim, no meio dos rituais hindus, dos saris pesados de ouro e pedras preciosas e das conversas em gujarate e inglês, sentamo-nos  a uma mesa com um grupo de lisboetas  hindus, a partilhar todos os modismos do português alfacinha mais castiço!

Saudação à Comunidade Hindu de Lisboa, cujo presidente encontrei neste casamento!  E à responsável pelo programa semanal sobre a religião hindu na RTP 2, que também aqui conhecemos!

Mais indo - portugueses...




Wednesday, December 9, 2009

Mário Miranda, um olhar goês sobre Lisboa

Lisboa vista pelo goês Mário Miranda...

Temos obrigação de o conhecer melhor!

Tuesday, December 8, 2009

Poesia e diplomacia (2)

Ontem, num jantar que ofereci aos colegas iberoamericanos, para comemorar a Cimeira do Estoril, li o seguinte poema de José Emilio Pacheco (mexicano, Prémio Cervantes deste ano):

A LA ORILLA DEL GANGES

A la orilla del Ganges aguardé,
por espacio de cuatro siglos,
el cadáver de mi enemigo.

Vi pasar en el agua restos de imperios,
pero no los despojos de mi enemigo.

En el proceso me volví piedra, plata, raíz
y luego un poco de basura flotante
que se llevó entre sus ondas el Ganges.

Qué decepción : jamás me vi pasar,
nunca supe que yo era mi enemigo.

Bazares e diplomacia : o público acorre!

Bazares e diplomacia : missão cumprida

Bazares e diplomacia (2)

Montagem do pavilhão...

Bazares e diplomacia : o bazar diplomático em Nova Deli

Começamos a montar o pavilhão português...

Sunday, December 6, 2009

Advice to Women

       Keep cats
   if you want to learn to cope with
   the otherness of lovers.
   Otherness is not always neglect -
   Cats turn to their little trays
   when they need to.
   Don't cuss out of the window
    at their enemies.
   That stare of perpetual surprise
   in those great green eyes
   will teach you
   to die alone.

   (Eunice de Souza, grande poeta indiana contemporânea)

   Este post é dedicado à Maria Ana e à Cora, para que vivam muito tempo e 
   não estejam nunca sozinhas!



Saturday, December 5, 2009

Sabedoria e diplomacia

"Surtout pas trop de zèle" (Talleyrand)

Friday, December 4, 2009

Vida social e diplomacia

Jantar em honra de António Guterres, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, com a presença do Vice- Ministro dos Negócios Estrangeiros da Índia, Shashi Tharoor.

Nova Deli, 2 de Dezembro

Wednesday, December 2, 2009

Poesia e diplomacia

"Il y a, voyez-vous, dans la combinaison diplomatie - littérature, une sorte de rapport intime qui peut paraître mystérieux, curieux en tout cas, mais qui n'est pas sans une base rationnelle. Le diplomate, comme le poète, travaille avec des mots, transpose des mots, s'en sert comme d'une clé qui n'est pas nécéssairement un passe - partout..."

(Dag Hammarskjold,  Secretário Geral das Nações Unidas entre 1953 e 1961,  em entrevista ao Figaro littéraire de 15.11.1960,  citada em Saint John Perse,  Correspondance avec Dag Hammarskjold,  Gallimard,  Paris,  1991)